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Lançadores de alerta e empoderamento das comunidades circunvizinhas a megaempreendimentos: o caso da interrupção da Mina Guaíba do Rio Grande do Sul por coletivos populares

Publicado em 09/07/2025

CATEGORIAS: Boletim IPPUR

Boletim nº 88, 09 de julho de 2025

Thiago da Silva Ferreira 

Doutorando em Planejamento Urbano e Regional – PPGPUR/UFRJ

 

Introdução:

O atual modelo de desenvolvimento sem limites capitalista ocasiona um amplo dispêndio de recursos naturais, muitas vezes atrelado a megaempreendimentos do setor primário (commodities tais como carvão, minério de ferro e petróleo), grandes empreendimentos turísticos. Também envolve, surpreendentemente, impactos ocasionados pela omissão ou pela ação inadvertida do poder público, incluindo a definição de unidades de conservação e áreas de proteção ambiental sem as devidas consulta e interação populares (PORTO et al, 2013).

É o chamado “enriquecimento empobrecedor” (ACOSTA, 2009), uma “maldição da abundância” na medida em que estas atividades econômicas geralmente resultam em uma baixa diversificação econômica das localidades onde se sediam (FASE, 2019) e no estabelecimento de “zonas de sacrifício”, ou seja, áreas onde “tudo é permitido”. Observa-se, nessas áreas, a imposição de impactos deletérios ao meio ambiente, saúde e qualidade de vida das populações, muitas vezes em situação de vulnerabilidade social e econômica, tais como comunidades predominantemente negras, agricultores familiares, povos originários, pescadores artesanais. 

Não surpreende por exemplo os casos de Brumadinho e Mariana (MG), duas das maiores tragédias crime do Brasil com imenso impacto ambiental e fatalidades, terem sido imediatamente seguidos de protestos de parte da população local demandando a retomada imediata das atividades de mineração (FASE, 2019; ACSELRAD e GIFFONI, 2021).

Neste contexto, haveria alguma maneira de estas populações dizerem “não” ao crescimento desenfreado, que privatiza lucros e socializa prejuízos dos mais diversos?

 

Objeto da pesquisa

Durante um longo período me debrucei como pesquisador sobre este objeto de estudo, até que defini como escopo de minha tese o conflito ambiental ocasionado pelo processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba. O projeto consistia em  uma mina a céu aberto prevista para ocupar uma área superior a 4 mil hectares, sendo considerada, caso concretizada, a maior da América Latina, e previa a extração de 166 milhões de toneladas de carvão ao longo de sua vida útil estimada em 23 anos (EIA-RIMA, 2018).

Pivô para a implementação de um polo carboquímico na região (GOVERNO DO RS, 2017), o projeto incluía  uma área de lavra para mineração, uma planta para beneficiamento do minério, uma estação de tratamento de efluentes (ETE), um dique de contenção da pilha de material estéril (tecnologia substituta das afamadas barragens que geraram as duas tragédias em larga escala em território nacional, em Mariana, no ano de 2015, e em Brumadinho, em 2019), além dos desvios dos arroios Pesqueiro e do Jacaré. O escoamento da produção ocorreria via modal rodoviário, e para tal o projeto previa a duplicação de um trecho de aproximadamente 4km da BR 290.

 

Apoiadores políticos empresariais e seus críticos, os lançadores de alerta

Estimavam-se como efeitos positivos a geração de cerca de 1.500 empregos diretos e indiretos desde a etapa das obras até os estimados 25 a 30 anos de vida útil da mina, além de divisas e royalties propagandeada pelos defensores do empreendimento, especialmente o empresariado nacional (FIERGS, COPELMI), investidores internacionais (chineses e norte-americanos) e poder público (Governo Federal, Associação dos Municípios Carvoeiros – ASMURC) (EIA-RIMA, 2018; LUZ e FLORES, 2020).

Por outro lado, a crítica, consolidada no Comitê de Combate à Mega mineração no Estado do Rio Grande do Sul – CCMRS, composto por centenas de coletivos de pesquisadores, sociedade civil, ativistas e médicos, apontava diversos efeitos controversos. Entre eles destacam-se os impactos ambientais e de saúde para muito além dos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, alcançando  até a capital Porto Alegre, com risco de desabastecimento de água e de problemas respiratórios, reprodutivos e de deformidades genéticas que podem vir a afetar gerações futuras. 

Outro impacto socioeconômico relevante seria a geração de 7.500 “desempregos indiretos”, desconstruindo o turismo comunitário, atingindo povos originários e um dos maiores polos de arroz orgânico da América Latina (CCMRS, 2019; FEPAM, 2019a; FEPAM, 2019b; FEPAM, 2019c; JFRS , 2020; JFRS, 2022).

Entre os críticos, chamados lançadores de alerta (Chateauraynaud, 1999), destacam-se ainda os coletivos Medicina em Alerta, cujos estudos ajudaram a embasar os aspectos médicos pelo painel de especialistas (CCMRS, 2019), além dos coletivos indígenas que, por meio de ações via Poder Judiciário e Ministério Público (FEPAM, 2019; JFRS, 2020; JFRS, 2022), lograram êxito em detectar os reais prejuízos ambientais, socioeconômicos e de saúde do empreendimento, interrompendo-o ainda durante a pandemia, em 2022.

 

Considerações finais

A bibliografia dos lançadores de alerta retrata indivíduos e instituições voltadas a prevenir riscos e impactos adversos às instituições, ao meio ambiente e à sociedade. Muitas vezes desacreditados ou mesmo antagonizados, seja por meio da violência física ou de longos e dispendiosos processos jurídico-legais (CHATEAURAYNAUD e THORNY, 1999; BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2006), muitas vezes estes críticos são contestados quanto à  elaboração de provas contundentes e incontestáveis de suas denúncias. Não obstante, tomando como exemplo o caso citado, dever-se-ia esperar o prejuízo ao abastecimento de água potável a centenas de milhares de pessoas, assim como a potencial má formação e expansão de abortos para se interromper uma Chernobyl em potencial?

No caso da Mina Guaíba, o Comitê de Combate à Mega mineração no Estado do Rio Grande do Sul, assim como o Ministério Público e a Justiça Federal conseguiram empoderar as comunidades locais embasadas em normativas internacionais – tais como a Avaliação de Impacto de Saúde – AIS e a necessidade de consentimento livre prévio e informado exigida pela Organização Internacional do Trabalho – OIT – para interromper (até o momento) a implementação de um polo carboquímico na região, impedindo o licenciamento de um empreendimento que poderia impulsionar o “Pré Sal” do carvão no Sul brasileiro.

 

Referências:

ACOSTA, A. La maldición de la abundancia. Producciones Digitales Abya-Yala, Quito, 2009.

ACSELRAD, H. Apresentação: De “bota foras” e “zonas de sacrifício”– um panorama dos conflitos ambientais no Estado do Rio de Janeiro. In: ACSELRAD, H. (Org.). Conflito Social e Meio Ambiente no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, p. 07-18. 2004.

ACSELRAD, H.; GIFFONI, R. Os alertas e o arbítrio. Le Monde Diplomatique, 2021. Disponível em <https://diplomatique.org.br/os-alertas-e-o-arbitrio/>, Acesso em 11/08/2023.

BOLTANSKI, L; CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Wmf Martins fontes, 2009.

BOLTANSKI, L.; THEVENOT, L. On Justification: Economies of Worth. Nova Jersey: Princeton University Press, 2006.

CHATEAURAYNAUD, F.; Torny, D. Les Sombres précurseurs: une sociologie pragmatique de l’alerte et du risque. Paris: Éditions de l’École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1999.

COMITÊ DE COMBATE À MEGAMINERAÇÃO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – CCMRS. Painel de especialistas: Análise crítica do Estudo de Impacto Ambiental da Mina Guaíba. Porto Alegre, 2019.

FEDERAÇÃO DE ÓRGÃOS PARA ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCACIONAL – FASE. Seminário Diferentes Formas de Dizer Não: experiências de proibição, resistências e restrição à mineração. Muriaé/MG, 2019.

FERNÁNDEZ EQUIZA, A.M. Análise interdisciplinar da valoração da natureza nos conflitos ambientais. Tese (Doutorado em Ciências). Orientador: Prof. Dr. Héctor Leis. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.

FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL RS – FEPAM. Transcrição da Audiência Pública em Charqueadas ocorrida em 14/03/2019 para prestar esclarecimentos sobre um projeto de mineração de carvão que pega os Munícipios de Eldorado e Charqueadas. Charqueadas/RS, 2019a.

FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL RS – FEPAM. Transcrição da Audiência Pública em Eldorado do Sul ocorrida em 27/06/2019 para prestar esclarecimentos sobre um projeto de mineração de carvão que pega os Munícipios de Eldorado e Charqueadas. Eldorado do Sul/RS, 2019b.

FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL RS – FEPAM. Ofício FEPAM/DMIN-OFGSOL nº 02696/2019. Dá à Copelmi um prazo de até 120 dias para resposta aos questionamentos da instituição e de uma série de ofícios a ela endereçadas pela sociedade. Porto Alegre, 2019c.

GAVIRIA, E. A “licença social para operar” na indústria da mineração: uma aproximação a suas apropriações e sentidos. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v.17, n.2, 2015.

GIFFONI PINTO, R. Dos riscos da política às políticas do risco: estudo sobre os “riscos sociais corporativos “e suas formas de gestão. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional). Orientador: Prof. Dr. Henri Acselrad. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.

GOVERNO ESTADUAL DO RS. Disponível em <https://www.estado.rs.gov.br/>., consulta em 16/01/2024 às 11h55.

JUSTIÇA FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – JFRS. 9ª Vara Federal de Porto Alegre. Ação civil pública nº 5069057-47.2019.4.04.7100/RS proposta pela Associação Arayara de Educação e Cultura e a Associação Indígena Poty Guarani em face da Fundação Nacional do Índio – FUNAI,  da  Copelmi  Mineração  Ltda.  e da Fepam objetivando a anulação do processo de licenciamento  ambiental  do  empreendimento  denominado  ‘Mina  Guaíba’  em  razão  da ausência no Estudo de Impacto Ambiental apresentado pelo empreendedor de componente indígena referente à comunidade Mbyá-Guarani Guajayvi, bem como da consulta prévia à referida comunidade prevista na Convenção 169 da OIT. Porto Alegre, 2020.

JUSTIÇA FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – JFRS. 9ª Vara Federal de Porto Alegre. Liminar declarando nulidade do processo de licenciamento da Mina Guaíba em função da desconsideração de povos indígenas. Porto Alegre, 2022.

KIRSCH, S.  Mining Capitalism: The relationship between corporations and their critics. California: University of California Press, 2014.

LUZ, P.; FLORES, R.K. Análise das manifestações nas seis audiências públicas sobre o empreendimento Mina Guaíba. CCMRS, 2020. Disponível em < https://rsemrisco.files.wordpress.com/2020/03/estudo-manifestaccca7occ83es-mina-guaicc81ba.pdf >, Acesso em 30/03/2025 às 9h.

PORTO, M.F.; PACHECO, T.; LEROY, J.P. Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o mapa de conflitos. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013.

Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Mina Guaíba/RS (EIA-RIMA). ABG Engenharia e Meio Ambiente Ltda. e Tetra Tech Engenharia e Consultoria Ltda., 2018.

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