Leituras da construção do Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob) de São Gonçalo

 

Boletim nº 69, 27 de abril de 2023

 

Por Felipe Sacramento Xavier¹

 

Em 21 de março de 2023, a prefeitura de São Gonçalo, por meio da Secretaria Municipal de Gestão Integrada e Projetos Especiais (SEMGIPE), realizou a primeira audiência pública para tratar da formulação do seu plano de mobilidade urbana – PLANMOB. A convite do município para integrar o Comitê de Acompanhamento do Desenvolvimento do Plano de Mobilidade de São Gonçalo, um conselho de acompanhamento do plano de caráter consultivo, o IPPUR-UFRJ esteve presente para observar o início deste processo de planejamento no segundo município mais populoso do estado do Rio de Janeiro. Representam o IPPUR-UFRJ neste comitê a professora Rosangela Luft e o mestrando Felipe Sacramento, como seu suplente.

Como sabemos, o Estatuto das Cidades estabeleceu que “municípios com mais de 500 mil habitantes devem elaborar um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido” (Art. 41, §2, Lei nº 10.257/2001). Já em 2012, com a publicação da Lei Nacional de Mobilidade Urbana, a exigência de elaboração e execução do, agora denominado, Plano de Mobilidade Urbana, passou a ser mandatória também para municípios com mais de vinte mil habitantes. Ela estabeleceu como prazo para os municípios com mais de 250 mil habitantes o dia 12 de abril de 2022 e, para aqueles com população inferior, o prazo de 12 de abril de 2023 (Art. 24 §1 e §4, Lei nº 12.587/2012)

O estabelecimento de prazos e a vinculação da liberação de recursos ao seu cumprimento impulsiona a mobilização para elaborar o plano, ainda que tardia à luz da realidade e dos marcos iniciais da regulamentação da política urbana. Um levantamento sobre a situação dos planos de mobilidade realizado pela Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana (SEMOB)², então vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, indica que, dos 22 municípios metropolitanos oficiados em 2019 pela secretaria, apenas três tinham planos elaborados: Petrópolis e Rio de Janeiro, via decreto municipal, e Niterói, sem aprovação em lei ou caráter normativo. Outros quinze municípios informaram que não tinham plano, dentre os quais São Gonçalo, Itaboraí e Maricá, vizinhos no Leste-metropolitano. Três municípios não responderam ao ofício da secretaria. A partir de 2018, o Ministério passou a realizar a Pesquisa Nacional de Mobilidade Urbana Municipal (PEMOB) dedicada aos municípios com população superior a 250 mil habitantes, incluindo questionamentos sobre a elaboração do Plano de Mobilidade Municipal. A última pesquisa, publicada em dezembro de 2022, atualizava o levantamento feito em 2019, alterando o status dos planos de São Gonçalo e Belford Roxo para “em elaboração”. Maricá e Itaboraí, em função do tamanho da população, não entraram na pesquisa. Contudo, em consulta aos portais dos municípios se observa que também nestes foi iniciada a elaboração do plano.

Embora o convite para a audiência pública indicasse a posse dos núcleos participativos e do comitê de acompanhamento, o que de fato ocorreu foi uma apresentação do que seria um plano de mobilidade na interpretação da empresa que o elaborará (Vinicius Ribeiro – Arquitetura, Planejamento e Mobilidade Ltda). O seu representante, William Aquino, fez um compilado de ideias em voga como “urbanismo tático”, “desenvolvimento orientado ao transporte (DOT)” e “planejamento humanizado” citando parâmetros de agências internacionais, nacionais e regionais de desenvolvimento, da ONU, da NBR ISO 37120, entre outros. Contudo, pouco se aprofundou nas especificidades do planejamento da mobilidade em São Gonçalo, cujo contexto é complexo. Foi informado na audiência que já havia técnicos fazendo pesquisas de origem e destino, tomando como parâmetro o repertório da empresa em outros municípios onde se utilizou modelos funcionalistas para modelagem do transporte que contrastam com as ideias apresentadas pela empresa na audiência. A formação dos núcleos e do conselho – indicada no convite para a audiência – ficou prevista para ocorrer apenas após o início dos trabalhos de elaboração do plano, inviabilizando o amplo debate coletivo de seus princípios fundamentais.

Durante a audiência, o representante da empresa, William Aquino, argumentou que o momento de elaboração do plano era propício tendo em vista a elaboração do Plano de Mobilidade Metropolitano do Rio de Janeiro (PlanMob Rio Metrópole) contratado pelo executivo estadual, via Instituto Rio Metrópole (IRM). No debate, o público presente na audiência destacou a sub-representação – nas falas dos integrantes da mesa – de projetos de mobilidade metropolitana. É o caso da linha 3 do metrô e da ligação hidroviária com a capital, cujo traçado e localização da estação, presentes no plano anterior (Anexo V, Lei-Complementar nº 001/2009, São Gonçalo) foram suprimidos do plano diretor vigente. Outro questionamento ponderou que o Plano de Mobilidade deveria ser, também, instrumento de pressão junto ao executivo estadual, ainda que não coubesse, em seu escopo, a execução de tais projetos que caracterizam funções públicas de interesse comum.

A grande iniciativa destacada durante a audiência foi o Mobilidade Urbana Verde Integrada, MUVI, um modelo binário de Bus Rapid Transit (BRS) associado a intervenções urbanísticas nas áreas lindeiras à faixa de domínio da extinta E.F. Leopoldina. Embora o projeto esteja contido nos limites municipais, ela foi apresentada e iniciada como projeto conjunto dos governos municipal e estadual, mas antecede o próprio plano que, indicou a contratada, será integrado a ele. Por fim, ficaram claras, no debate que se seguiu, as dificuldades de se pensar a integração com outros municípios, apontada pelos presentes como problema nevrálgico da mobilidade na cidade, apesar de não ser esta – integração intermunicipal – o objeto do plano. A interlocução entre os planos de São Gonçalo, dos municípios vizinhos e da metrópole fluminense deve ser acompanhada de perto pelo IPPUR-UFRJ.

1 Mestrando do PPGPUR

2 Levantamento sobre a situação dos Planos de Mobilidade Urbana. Disponível em https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/mobilidade-e-servicos-urbanos/planejamento-da-mobilidade-urbana/levantamento-sobre-a-situacao-dos-planos-de-mobilidade-urbana. Acessado em 7 de abril de 2023.