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Entrevista com Clóvis Nascimento, doutorando do IPPUR premiado no Concurso BNDES Pequena África

Publicado em 15/12/2025

CATEGORIAS: Boletim IPPUR, Destaques, Notícia PPGPUR, Notícias IPPUR, Sem categoria, Slideshow PPGPUR

Boletim nº 92, 15 de dezembro de 2025

 

Mariana Guimarães
Graduanda em arquitetura e urbanismo (FAU UFRJ) e extensionista da Agência IPPUR

Tainá Farias da Silva Maciel
Mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ) e extensionista da Agência IPPUR

 

No final de junho, o doutorando do IPPUR Clóvis Nascimento Junior foi premiado no Concurso BNDES Pequena África como arquiteto coordenador do projeto “Sankofa e a Trama da Pequena África: Um Tear de Memórias e Resistências Negras no Rio de Janeiro”, que foi contemplado em terceiro lugar. O concurso, promovido pelo BNDES e organizado em conjunto com o Consórcio Valongo Patrimônio Vivo, tem como objetivo a requalificação urbana da região da Pequena África, por meio reconhecimento de sua importância histórica.¹

O edital direcionava-se a equipes coordenadas por profissionais negros e requeria propostas ligadas à preservação patrimonial, fortalecimento da economia criativa e ampliação do acesso à cultura no território, por meio de estratégias que criassem uma identidade visual e organizassem um território-museu, pautadas na sustentabilidade, justiça social, criação de espaços de uso coletivo e valorização de técnicas e saberes ancestrais afro-brasileiros. A proposta do concurso, segundo o BNDES, consolida uma oportunidade histórica de reconhecimento e reparação da memória afro-brasileira. Enaltecendo a relevância da diáspora africana na construção do Brasil². A iniciativa do concurso é coordenada pelo Consórcio Valongo Patrimônio Vivo, do escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados.

Logo do concurso. Reprodução https://www.bndes.gov.br/.

O projeto coordenado por Clóvis foi desenvolvido em parceria com o escritório Patrícia Akinaga Arquitetura Paisagística, Desenho Urbano e Planejamento. A proposta se inspira no símbolo Sankofa, um símbolo Adinkra que representa a importância da construção do presente e do futuro a partir de uma consciência crítica sobre o passado. Assim, os autores compreendem as relações entre os marcos históricos da região a partir da noção de um “território-trama” e repensam as fronteiras do distrito da “Pequena África”, interligando pontos importantes e intervenções paisagísticas através de percursos flexíveis, valorizando a multiplicidade e a potência da cultura africana e afro-brasileira no ambiente urbano através de vínculos sensoriais e visuais expressivos.³

Equipe de desenvolvimento do projeto, coordenada por Clóvis.

Clóvis concedeu à Agência IPPUR uma entrevista exclusiva, na qual conversamos sobre o processo de realização do projeto e participação no concurso enquanto arquiteto negro, doutorando e pesquisador do IPPUR. Confira!

 

Como foi o processo de decisão de participar do concurso e a organização da equipe de trabalho do projeto? 

A decisão de participar deste concurso partiu de dois fatores: meu interesse pelo tema e pela região da Pequena África, além da experiência prévia de outros concursos, essa experiência anterior permitiu o conhecimento dos fluxos assim, agilizamos a leitura do edital e a definição de um cronograma realista, sabendo gerenciar as diferentes etapas (pesquisa, conceito, desenvolvimento e finalização das pranchas). E também o acompanhamento das etapas do projeto, dessa maneira antecipamos e reduzimos os detalhamentos técnicos e conferimos maior segurança ao processo em um prazo de tempo tão reduzido.

 

Como você enxerga a contribuição da sua trajetória no IPPUR para a construção desse projeto?

O prazo reduzido junto com a ideia de antecipar e reduzir os desafios de detalhamento técnico deu maior segurança ao projeto e a aplicação direta da disciplina e da visão mais ampla possível, estimulada em um ambiente de pesquisa e planejamento de tal maneira que esses primeiros meses da minha trajetória no IPPUR me ofereceram uma visão e uma experiência crítica para escolher o que fazer e quanto o rigor metodológico e o domínio de percurso para determinar o como fazer da forma mais prática possível.

 

A obrigatoriedade de liderança por arquitetos e urbanistas negros foi um marco importante no concurso. Como você avalia o impacto dessa exigência para o campo do urbanismo e também para sua trajetória profissional e acadêmica?

Essa exigência foi determinante para garantir que o desenvolvimento partisse de um eixo principal coerente e conectado à realidade do território. A participação integral em todo o processo me permitiu exercer uma escolha fundamental: definir a abordagem conceitual que norteou o projeto. Outro aspecto se relaciona à visão de que a arquitetura e o urbanismo devem ser instrumentos de reparação histórica e social. Neste contexto, o concurso — e nossa participação nele — representa uma forma de ação afirmativa e de participação popular. Isso porque garante que a visão e a experiência da comunidade negra influenciam diretamente o futuro do território, especialmente em uma região sensível como a Pequena África. 

Ao ter essa liberdade de escolher o eixo central do projeto e acompanhar todas as etapas, minha contribuição buscou combater o histórico apagamento profissional e simbólico de profissionais negros nos grandes projetos urbanos. A participação plena, do conceito à prancha final, foi a garantia de que o projeto incorpora uma perspectiva que reconhece e valoriza a memória, a cultura e a presença da população negra como determinante da proposta, fazendo com que a ação de projetar fosse em um ato de afirmação territorial e profissional.

 

Como você acha que este concurso contribui para a valorização e reparação da população afro-diaspórica no contexto do Rio de Janeiro?

Este concurso contribui para a valorização e reparação da população afro-diaspórica no Rio de Janeiro, pensando em uma transformação possível dentro dos limites da intervenção e do planejamento urbano em um ato de justiça e reconhecimento histórico, sobretudo ampliando a voz e a história da região, incluindo a população que sempre viveu e ocupou a Pequena África. Ao priorizar o olhar de arquitetos e urbanistas negros, o concurso garantiu que o projeto tivesse uma perspectiva, baseada na experiência e na memória ancestral, e não apenas em uma leitura externa. Quando destacamos o símbolo da Sankofa no projeto tentamos destacar um mapa afetivo e cultural do Rio de Janeiro que recebeu uma população diaspórica, garantindo assim que o legado de resistência e a contribuição civilizatória da população negra sejam inequivocamente reconhecidos, valorizados e incorporados ao futuro do território. 

 

Como foi construído o conceito de território-trama por vocês? Quais as referências e ideias trabalhadas nessa construção?

O conceito de Território-Trama que desenvolvemos para o projeto nasceu da necessidade de confrontar a invisibilidade histórica dos povos africanos que chegaram ao Cais do Valongo. A “trama” não é apenas uma metáfora visual, mas a representação da complexidade cultural e da rede de histórias que se entrelaçam na Pequena África. A principal referência para essa construção foi a própria cultura material africana. Como sabemos muito pouco sobre a origem das pessoas escravizadas que chegaram ao Rio de Janeiro, demos início a uma pesquisa sobre os tipos de tecidos produzidos no continente africano e descobrimos que cada povo produz o seu como uma marca, como, por exemplo: Capulanas (Moçambique), Adinkra (Gana – povo Ashanti) , Kente (Gana – povos Ashanti e Ewe) e Adire (Nigéria – povo Iorubá) 

Dessa forma, fizemos uma representação desses povos e suas particularidades, escapando de qualquer essencialismo desses grupos que chegavam ao Cais do Valongo. A ideia foi reverter o apagamento forçado da identidade, honrando as diversas origens e as inúmeras nações que compuseram a diáspora, garantindo que o território fosse projetado como um tecido vivo de memórias. 

 

O edital destaca a necessidade de consolidar uma identidade visual para o território a partir de marcos históricos e percursos culturais. Como o projeto dialoga com essas diretrizes urbanísticas oficiais e, ao mesmo tempo, propõe novas leituras para a Pequena África?

A proposta que apresentamos ultrapassa a demarcação urbana ao estabelecer o “Território-Trama”, que se articula com as diretrizes do edital ao consolidar a identidade do território através de marcos e percursos culturais, e inovando ao conectá-los por memórias e afetos. Assim, a proposta visava valorizar a presença negra na região portuária, transformando pontos desconectados em uma rede. Inspirado pela mitologia Sankofa, o projeto cria percursos flexíveis – sinalizados por totens, bandeiras e um aplicativo (que atuam como um farol de inspiração), garantindo assim que as intervenções (como no Cais do Valongo e Largo de Santa Rita) promovam vínculos sensoriais e visuais expressivos. O objetivo final é reforçar a multiplicidade e potência da cultura afro-brasileira, utilizando o passado como alicerce para um presente consciente e um futuro de resistência. 

 

O concurso prevê que as propostas contribuam para a consolidação da Pequena África como um “museu de território”, afirmando a importância das políticas de produção de habitação que garantam a preservação dos moradores tradicionais na região para a consolidação do território como um espaço de memória, cultura e resistência. Quais os desafios de transformar um espaço urbano vivo e central como a zona portuária do Rio em um museu a céu aberto sem que isso implique em processos de gentrificação ou deslocamento da população local?

O principal desafio em transformar a Pequena África em um “museu de território”, alinhado às diretrizes do concurso BNDES, é conciliar a revitalização urbana e o fomento cultural com a proteção dos moradores tradicionais, evitando a gentrificação e o deslocamento. Para que este espaço central e vivo do Rio de Janeiro se consolide como um verdadeiro local de memória e resistência, as propostas devem ir além da simples demarcação de marcos históricos. É essencial que intervenções como as sugeridas pelo projeto garantam que o valor cultural e turístico gerado beneficie diretamente a comunidade residente, melhorando sua qualidade de vida e fortalecendo a economia local de base. A chave é assegurar que o patrimônio imaterial e a identidade negra sejam o motor da preservação, e não o vetor da exclusão social.

 

Em termos de políticas públicas, como você avalia o potencial desse tipo de iniciativa em influenciar futuras estratégias de planejamento urbano em outras regiões do Brasil? Como o conceito de território-trama pode inspirar novas metodologias de planejamento urbano no Brasil, especialmente em territórios periféricos e de resistência?

A essência do projeto está em sua não-replicabilidade física, um princípio que, na verdade, afirma a força de sua matriz conceitual. O projeto “Sankofa e a Trama da Pequena África” não deve ser copiado em outros lugares, pois seus padrões visuais (como os tecidos) e marcos históricos são específicos do Rio de Janeiro, homenageando a diáspora daquela região. Contudo, sua metodologia é universalmente aplicável: utilizar a filosofia Sankofa (voltar para buscar) para construir um “Território-Trama” que conecta memórias, afetos e patrimônio imaterial. O cerne da proposta é ensinar como abordar a memória da diáspora, priorizando o caráter contextual e coletivo de cada comunidade, em vez de oferecer uma solução estética pronta.

 

Que mensagem você deixaria para estudantes, pesquisadores e profissionais negros que desejam atuar no campo da arquitetura e do planejamento urbano?

Estudem profundamente a sua história, pois ela lhe dará o arcabouço teórico; mas tenham a coragem e o desprendimento de colocar essa visão no espaço, insistindo em um planejamento que seja ético, contextual e fundamentalmente negro. 

 

1 https://agenciadenoticias.bndes.gov.br/cultura/Concurso-BNDES-Pequena-Africa-premia-projetos-urbanisticos-que-valorizam-cultura-afro-brasileira-no-Rio/ 
2  Concurso BNDES Pequena África – Anexo 1 – Bases Técnicas, página 5
3 https://concursobndespequenaafrica.com.br/wp-content/uploads/2025/05/50_prancha1_22052025.pdf?v=1747957222 

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