Entrevista sobre o curta “Quarentena em Paris” – com Pedro Novais

Boletim nº 34 – 03 de setembro de 2020

 

O Professor do IPPUR, Pedro de Novais, atua e dirige o filme “Quarentena em Paris”, curta lançado pela Casa Átomo Filmes, produtora de Porto Alegre, e Mídia Ninja. O filme está entre os 14 selecionados pelo Projeto Quarantine Tales, em sua segunda temporada. O filme revela o cotidiano de um homem durante a pandemia em um apartamento em Paris.

Fonte Mídia Ninja

O Boletim IPPUR entrevistou Pedro de Novais para tratar da obra, suas inspirações e a experiência de estar fora do país durante a pandemia.

Boletim IPPUR: Quais foram suas inspirações para realizar filmes, em especial, o Quarentena em Paris?

Pedro de Novais: Estou interessado em cinema como uma forma de registro e interpretação da realidade. Em uma circunstância insólita, frequentemente me pergunto: – como essa situação poderia ser narrada? No caso do Quarentena em Paris, confinado em casa, o primeiro desafio que me veio à mente foi como retratar a diversidade de mundos sociais isolados em apartamentos e ligados visualmente pelo fato de os prédios estarem dispostos em torno a um pátio comum. Meus vizinhos eram de diferentes etnias e tinham situações familiares e hábitos cotidianos bem distintos aos meus, porém nos encontrávamos às 8h da noite para bater palmas em homenagem e agradecimento aos profissionais de saúde. Mostrar esse universo pareceu uma boa ideia, acontece que eu não ficava confortável em apontar a câmera para as janelas dos outros. Então me ocorreu que eu poderia pensar alguma coisa da minha janela para dentro.

BI: O que deseja transmitir com o filme? 

PN: Eu não tinha a pretensão de transmitir alguma coisa; não imaginava um espectador. Eu queria encontrar uma forma de usar imagens como evidencias para explicitar o cotidiano marcado pela trajetória solar e pelo impedimento de contatos físicos. Eu achava que essa era uma situação que merecia ser “explicada” com a ajuda do cinema.

 

BI: Você estava em Paris em função de seu pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Trata-se de uma obra autobiográfica? 

PN: Ainda estou em Paris…. Eu imaginava que muita gente estava em situação semelhante à minha. Esse era, por exemplo, o caso de duas colegas da UFRJ e da UERJ que também estão na cidade. Conversando por telefone com uma delas surgiu o título do filme. Era uma ironia à nossa condição. Assim, a resposta é: – Não; o filme não é uma “obra autobiográfica”. O personagem representa pessoas que lidaram sozinhas com a pandemia. Infelizmente o ator que interpreta o personagem era o único disponível. 

 

BI: Como foi o processo de filmagem?

PN: Eu tinha uma boa câmera e uma lente relativamente versátil para ambientes pequenos. Sem tripé, apoiei a câmera em uma mesinha de estudos que desloquei para o meio do apartamento (uma quitinete). O cenário coincidia com o modo como o espaço estava arrumado, exceto por uma pequena mesa de apoio que, depois do filme não voltou para perto da janela. Imaginei como seria contada a história e gravei um teste. Esse material acabou sendo utilizado como o principal. Os problemas relacionados à decisão de aproveitamento das primeiras imagens foram solucionados ou atenuados na montagem.

 

BI: Como avalia a experiência de ter vivenciado a pandemia e a quarentena na França?

PN: Viver uma situação dessas no estrangeiro suscitou um estado de redobrada atenção:  – Como eu seria tratado caso tivesse que ir para o hospital? – Quão republicana seria a República francesa? Eu não queria descobrir. Além da preocupação com o contágio, era necessário estar atento aos controles sobre a circulação, que pareciam incontornáveis: só se podia sair por 1 hora por dia, para fazer exercícios ou para fazer compras essenciais; na rua era necessário portar documentos e uma declaração manuscrita; não se podia ir longe do local de moradia. O controle social era explícito, mas, por outro lado, havia instruções claras de como proceder e via-se o empenho do governo para lidar com o problema. Por mais difícil que tenha sido viver a pandemia na França, não deve ter sido tão difícil quanto vivê-la no Brasil, considerando a incerteza decorrida da renúncia governamental quanto ao enfrentamento do problema e do evidente desprezo com a vida dos outros.

 

BI: Como avalia a enfrentamento social, político e econômico da pandemia pelo Brasil? 

PN: A negação da pandemia, seguida da conformação à inevitabilidade de seus efeitos, constituíram demonstrações de ignorância científica que histórica só poderiam levar a ações prejudiciais em qualquer uma das dimensões questionadas: desprezo para com a sociedade, flerte autoritário e manutenção do projeto neoliberal, a despeito dos riscos econômicos trazidos pela pandemia. Esse último ponto, muito bem esclarecido nos textos de Daniel Conceição, Kaio Pimentel e colegas de outras instituições. Por sua vez, as notícias sobre iniciativas comunitárias de enfrentamento da pandemia foram bastante animadoras, fizeram a gente ter esperança.

 

BI: Qual a imagem do Brasil repercutida pela imprensa francesa? 

PN: Faz-se uma clara distinção entre o país e o governante, cuja imagem é ridicularizada.

 

BI: Qual o potencial da elaboração de materiais audiovisuais para o campo do planejamento urbano e regional e da gestão pública?

PN: O audiovisual é uma forma de comunicação acessível a públicos muito diversos. Permite informar, educar, influenciar. Com a Internet e suas redes sociais, essa forma ganhou importância e pode ser explorada para dar espaço às ideias afinadas com a democracia e a justiça social.

 

Para ver o filme clique aqui.