Livros para pensar a relação entre saúde e urbanização
Boletim nº 15 – 10 de abril de 2020
Por Guilherme Chalo¹
A pandemia de coronavírus que nos assola joga o mundo em uma crise sanitária, econômica e política sem precedentes, ao mesmo tempo que nos chama a reflexão urgente. É tempo de pensar a produção do espaço urbano e sua relação com a saúde e a doença.
Um processo desigual que se traduz em múltiplas escalas, com contextos culturais e políticos distintos; mas que acompanha a modernização capitalista desde o século XIX. Ao longo do tempo, nossas cidades sofreram com diferentes epidemias e as trataram de diferentes formas, engendrando segregação, controle e todo um inventário de práticas urbanas sobre as doenças.
Assim, novos modelos de compreensão do mundo foram surgindo. Os discursos e práticas sobre a saúde fizeram parte da formação do que hoje entendemos por urbanismo, as questões sanitárias por muito tempo estiveram relacionadas com a forma e o conteúdo das cidades e foram a questão urbana em si.
Ao longo dos anos dois campos se afastaram, em um longo processo que não cabe analisarmos aqui. Entretanto, não podemos compreender a pandemia atual sem compreendermos as raízes urbanas de sua formação na província industrial de Wuhan na China, mas também compreender os processos urbanos de sua disseminação pelo mundo. Como também não deixar de pensar as marcas da desigualdade e da segregação, no cuidado e combate no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para isto preparamos uma lista com 10 livros que refletem sobre a interface entre natureza, urbanização e saúde, para ajudar na reflexão de estudantes, professores e tomadores de decisão neste momento de crise sanitária.
Esperamos que esse conjunto de reflexões possa ser uma constelação categorial importante para pensarmos uma crítica radical da urbanização capitalista, tendo a saúde pública como ferramenta de análise. E, de agora em diante, temos que observar que, se a cidade é pátria, empresa e mercadoria, ela é também um hospital.
1. Sobre a maneira de transmissão do cólera, John Snow.
Este é um estudo clássico sobre a epidemia do cólera em Londres, um trabalho seminal que inaugurou uma forma de pensar a cidade e a sua relação com as grandes doenças.
2.Território, Ambiente e Saúde, Ary Miranda, Cristovam Barcellos, Josino Moreira e Maurício Monken (orgs).
Os pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz organizam, neste livro, uma série de artigos de pesquisadores ligados a instituição, aglutinando reflexões sobre as categorias espaciais e conceitos fundamentais para pensar a relação entre território e saúde. O livro elenca desafios metodológicos à territorialização do SUS e conflitos ambientais com impactos para a saúde pública.
Tendo como referência o conceito de espaço geográfico, como aponta a professora Dr. Anamaria Tambellini no prefácio do livro, os autores “retomam categorias da geografia e desvendam seus desdobramentos conceituais e teóricos”.
3. A geografia e o contexto dos problemas de saúde, Cristovam Barcellos (org)
Neste livro o professor da Fundação Oswaldo Cruz reúne pesquisadores do Brasil e do mundo (Argentina, Cuba, Portugal) para refletirem sobre a história e as tendências da geografia da saúde, seus métodos e suas aplicações, em diálogo, principalmente, com a experiência do sistema de saúde português.
4. Determinantes ambientais e sociais da saúde, Luiz Galvão, Jacobo Finkelman e Samuel Henao. (org)
Este livro organizado no âmbito da Organização Pan- Americana da Saúde (OPAS), um agência regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), aglutina em 27 artigos experiências e reflexões desenvolvidas no continente latino americano sobre os impactos ambientais e as suas implicações a saúde humana. Tem o intuito de fortalecer e dar subsídios para políticas públicas que enfrentam as desigualdades sociais e impactos ambientais. Diversos artigos deste livro refletem diretamente sobre a produção do espaço urbano e seus impactos a saúde pública.
5. Vida urbana e saúde, Paulo Saldiva.
Este ensaio sobre a vida urbana, do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, explora diferentes aspectos daquilo que ele denomina de saúde urbana e é taxativo sobre importância de pensarmos a saúde das cidades como uma agenda política cada vez mais urgente para pensar o nosso futuro.
6. O monstro bate à nossa porta, Mike Davis.
O professor da Universidade da Califórnia faz uma análise profunda da epidemia da gripe aviária que assolou o leste asiático em 2005, refletindo sobre os impactos da urbanização do “terceiro mundo”, do agronegócio, da indústria farmacêutica e do neoliberalismo em escala global. Um estudo fundamental, em que podemos aprender muito para ler o nosso caso contemporâneo.
7. Pandemia: a humanidade em risco, Stefan Ujvari.
O médico infectologista faz um estudo de vários casos emblemáticos de grandes epidemias, apontando riscos e marcando como as cidades – grandes centros do mercado mundial – são catalisadoras para o risco global.
8. Desenvolvimento, ambiente e saúde, Raquel Rigotto.
Fruto da tese de doutoramento da pesquisadora, este livro analisa as implicações do processo de urbanização da cidade de Maranguape no estado de Ceará e seus efeitos para a saúde dos trabalhadores. Coloca em xeque o conceito de desenvolvimento sustentável e nos mostra a trama entre campo e cidade.
9. Desenvolvimento Desigual, Neil Smith.
Neste livro, o Geógrafo escocês propõe uma teoria para pensar a geografia do capitalismo, elaborando o conceito de produção da natureza, a nosso ver uma chave interpretativa fundamental para compreender o desenvolvimento do capitalismo. Smith observa que a produção da natureza não é só fenômeno da escala da produção de mercadorias, mas também uma totalidade que extravasa o território da produção, razão pela qual a natureza é produzida nem sempre como mercadoria, mas como consequência do processo de (re)produção do capital.
10. Cidade Febril, Sidney Chalhoub.
Neste ensaio, o historiador nos mostra como o combate às epidemias do final do século XIX produzem uma outra cidade. A guerra aos cortiços como lugares de doença coloca a cidade na modernidade e gera um novo padrão de segregação urbana, legando-nos marcas até hoje. O livro mostra como o discurso médico participa da produção do espaço urbano.
¹Geógrafo e Doutorando do IPPUR
²A imagem de destaque é uma reprodução Patrick Tomasso (UNSPLASH)