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Reprimarização territorial no Brasil: implicações para o desenvolvimento regional e a urbanização em contexto de transições e policrises

Publicado em 15/12/2025

CATEGORIAS: Boletim IPPUR, Destaques, Notícia PPGPUR, Notícias, Notícias IPPUR

Boletim nº 92, 15 de dezembro de 2025

 

Hipólita Siqueira
Professora Associada (IPPUR/UFRJ)
Bolsista Produtividade em Pesquisa (PQ 2 CNPq)
hipolitaufrj@gmail.com

 

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil.

Assim como no período colonial, a inserção contemporânea da América Latina nos circuitos comerciais da economia mundial tem se concentrado principalmente na exportação de bens intensivos em recursos naturais. O superciclo dos preços das commodities no início deste século, impulsionado em grande parte pela crescente demanda da China e pelo processo de financeirização, refletiu-se em um aumento significativo das exportações latino-americanas de commodities minerais, agrícolas e energéticas (Michelotti; Siqueira, 2019). A intensificação da (re)especialização em bens primários e de baixa complexidade tecnológica vem inspirando vários estudos, sob distintas matrizes teóricas, acerca da reprimarização e do extrativismo. Além da continuidade histórica da dependência financeira e tecnológica desses países, também seria possível observar o desenho de uma nova divisão ecológica internacional do trabalho, marcada pela “ecodependência” (Acselrad, 2023).

Recentemente, tornou-se importante atualizar essa discussão à luz dos desafios à humanidade impostos pela conjuntura global de policrises e transições em várias dimensões. Isso ocorre no âmbito de um sistema econômico financeirizado, articulado a uma conjuntura geoeconômica e geopolítica marcada por rupturas advindas da nova corrida tecnológica da quarta revolução industrial, da chamada “transição energética”, das políticas de descarbonização e das disputas por recursos naturais “críticos e estratégicos”. Esses últimos, importantes para o suprimento de setores estratégicos, pela sua aplicação em produtos e processos de alta tecnologia, pela geração de superávit comercial ou ainda por questões de defesa e segurança nacional. Por outro lado, com a retomada de políticas industriais pelos países centrais, articuladas a políticas de desenvolvimento regional (place-based), vêm se conformando possibilidades de reorganização territorial das cadeias produtivas e de fornecimento por meio de movimentos conhecidos como: reshoring (trazer de volta os processos produtivos industriais para dentro das fronteiras nacionais); nearshoring (realocação de partes das cadeias produtivas para países com proximidade geográfica); friendshoring (realocação de partes das cadeias produtivas para países aliados e estratégicos); e powershoring (realocação da produção para países com matrizes energéticas de bases renováveis) (Siqueira, 2025).

Esse quadro de incertezas radicais levanta questionamentos sobre os riscos de acentuação de extrativismos “verdes” (Bringel; Svampa, 2023), da reprimarização das exportações, da desindustrialização da base produtiva brasileira. Do ponto de vista dos efeitos econômicos da (re)primarização das exportações, os debates na literatura têm sido orientados pelo viés macroeconômico, com destaque para a discussão ainda inconclusa sobre a “maldição” ou “bendição” dos recursos naturais. Na literatura sobre desenvolvimento regional, enfatiza-se o potencial de criação de complexos produtivos e aglomerações territoriais em regiões especializadas na exportação de bens primários, ignorando assim as diferentes configurações de economias regionais de enclave.

Nos projetos de pesquisa Territórios da Reprimarização: commodities e desenvolvimento regional no Brasil (PQ-CNPq) e Desenvolvimento regional fluminense no contexto da reprimarização territorial (Cientista do Nosso Estado-FAPERJ), desenvolvidos no grupo de pesquisa CNPq Espaço e Poder do IPPUR/UFRJ, defendo a importância de ir além de uma perspectiva meramente macroeconômica. A perspectiva territorial sobre as transições em curso é fundamental. A configuração de diversas economias regionais de enclave tem implicações em múltiplas dimensões (produtivas, geográficas, políticas, sociais, ambientais e culturais) bem como articulações em múltiplas escalas espaciais. A análise das particularidades setoriais das commodities e das distintas lógicas de inserção territorial nas cadeias globais de valor são essenciais para a compreensão do processo que denominamos de reprimarização territorial e seus desdobramentos para as dinâmicas regionais e urbanas desiguais (Siqueira, 2022), bem como para as estratégias de desenvolvimento e o planejamento urbano e regional.

Nesse sentido, torna-se importante reexaminar e averiguar a pertinência de utilizar o conceito de enclave para compreender melhor os espaços produzidos pela dinâmica econômica contemporânea. Autores como Phelps et al. (2015) destacam as deficiências da literatura contemporânea nos campos da economia regional e urbana e da geografia econômica em relação a esse conceito, especialmente neste momento em que muitas ditas aglomerações territoriais parecem ser mais enclaves territoriais. Em grande parte, isso se dá pela estruturação das cadeias globais de valor, sob a governança de empresas transnacionais e poderosos Estados nacionais.

Desse modo, os segmentos com maior potencial de desenvolvimento regional concentram-se em determinados nós das redes econômicas globais. Dadas as diferentes especificidades setoriais e as diversas formas de inserção nos circuitos e redes de valor que articulam múltiplas escalas espaciais (local, regional, nacional e global), é fundamental analisar a ampla variedade de enclaves produtivos territoriais para compreender melhor o papel das commodities no desenvolvimento regional e na urbanização das nações latino-americanas, especialmente no Brasil. Do ponto de vista macrogeográfico, é importante situar a constituição das periferias de recursos naturais no centro do debate sobre a reconfiguração territorial mundial contemporânea, marcada por um contexto de policrises e transições.

 

Reprimarização territorial e desenvolvimento regional no Brasil

No Brasil, país de dimensões continentais, estão ocorrendo importantes transformações na estrutura produtiva, acompanhadas por uma tendência à (re)especialização da pauta de exportação em bens intensivos em recursos naturais. Vários estudos concluíram que existe uma forte tendência à desindustrialização, ou seja, à redução da densidade das cadeias produtivas no Brasil (Morceiro, 2021; Monteiro Neto, 2021). Nesse sentido, ocorreram perdas de elos importantes das cadeias produtivas, em quantidade e qualidade, contrastando com o período de industrialização por substituição de importações, em que o crescimento econômico acompanhava uma diversificação expressiva na estrutura produtiva.

Considerando as questões impostas por um novo contexto nacional e internacional e pelas próprias especificidades da divisão inter-regional do trabalho brasileira, a perspectiva macrogeográfica do desenvolvimento econômico regional torna-se mais complexa. A discussão clássica baseada nas tendências macrorregionais de concentração e desconcentração da atividade produtiva, delineada no âmbito do processo de integração do mercado nacional e da industrialização (1930-1980), enfrenta importantes limitações (Siqueira,

2015). O aumento da heterogeneidade macrorregional brasileira, com o surgimento de sub-regiões com maiores taxas de crescimento e produtividade, impulsionadas pelas commodities, bem como as suas implicações para a reconfiguração da rede urbana, adquiriram maior relevância nos tempos atuais de maior internacionalização e reprimarização.

Tendo em conta esse programa de pesquisa, destaco as seguintes questões: as especificidades das commodities (no que diz respeito aos seus processos de produção, tecnologias, localização, utilização e remuneração da mão de obra, infraestruturas, apropriação da terra e de rendas, divisão territorial do trabalho, papel do Estado e das empresas transnacionais etc.) configuram distintos “enclaves modernos” ou aglomerações territoriais produtivas? Quais são as implicações e limitações da reprimarização territorial para o desenvolvimento regional, a urbanização, políticas públicas e o planejamento urbano e regional no Brasil?

Diante desse conjunto de problemáticas, além dos referenciais teóricos latino-americanos, a pesquisa dialoga com as reflexões de Peck (2024), no âmbito do acordo de cooperação entre o IPPUR e o Departamento de Geografia da Universidade da British Columbia.

Peck (2024) busca sistematizar um método de análise conjuntural e relacional comparativo, abordagem inovadora no campo da geografia econômica, dos estudos urbanos e regionais e das políticas públicas para melhor entender como as dinâmicas econômicas, sociais e políticas se combinam em determinadas conjunturas históricas e contextos espaciais.

Nessa perspectiva, é central a compreensão multiescalar que interliga as dinâmicas regionais à escala nacional e internacional, considerando a região como co-produtora de processos, políticas e práticas econômicas em diferentes escalas espaciais e institucionais (Peck; Siqueira, 2024).

 

Referências

ACSELRAD, Henri. Capitalismo extrativo. A terra é redonda. 3 de junho de 2023. https://aterraeredonda.com.br/capitalismo-extrativo/

BRINGEL, Breno; SVAMPA, Maristela. Del “Consenso de los Commodities” al “Consenso de la Descarbonización”. Nueva Sociedad, 306, 2023.

MICHELOTTI, Fernando; SIQUEIRA, Hipólita. Financeirização das Commodities Agrícolas e Economia do Agronegócio no Brasil. Semestre Económico, 22, 87-106, 2019.

MORCEIRO, Paulo. Methodological influence on Brazilian deindustrialization. Brazilian Journal of Political Economy. v. 41, n. 4, p. 700-722, 2021.

MONTEIRO NETO, Aristides. (Org.) Brasil, Brasis: reconfigurações territoriais da indústria no século XXI. Brasília: IPEA, 2021.

PECK, Jamie. Praticando metodologias para análises de conjuntura: abordando o capitalismo chinês. Revista GEOgrafias, v. 20, n. 1, 2024.

PECK, Jamie; SIQUEIRA, Hipólita. Geografias do desenvolvimento desigual. Revista GEOgrafias, v. 20, n. 1, 2024.

PHELPS, Nicholas A.; ATIENZA, Miguel; ARIAS, Martin. Encore for the Enclave: the changing nature of the industry enclave with illustrations from the mining industry in Chile. Economic Geography, 91 (2), 119-146, 2015.

SIQUEIRA, Hipólita. Tendências de investimento e da dinâmica regional brasileira em tempos de reprimarização territorial, 2025 (no prelo).

SIQUEIRA, Hipólita. Reprimarización territorial: preguntas sobre el desarrollo regional y la urbanización en Brasil. Regional Studies Association Blog. 16 de novembro de 2022. https://www.regionalstudies.org/rsa-blog/blog-reprimarizacion-territorial-preguntas-sobre-el-desarrollo-regional-y-la-urbanizacion-en-brasil/

SIQUEIRA, Hipólita. Novo desenvolvimentismo e dinâmica urbano-regional no Brasil (2004-2012). Eure, 41, 261-277, 2015.

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