Vila Autódromo: resistência, memória e desafios para a gestão pública

Boletim nº 75, 30 de novembro de 2023

Colaboraram com a matéria os/as estudantes do GPDES Bruno Carvalho, Jenny Ramos, João Pedro Ferrari, Manuella Fernandes, Marina Cupello e Stephany da Silva. 

No dia 30 de outubro de 2023, estudantes da disciplina Comunicação Social II do GPDES participaram de uma visita de campo à Vila Autódromo, localizada no Parque Olímpico. No contexto das preparações para os megaeventos na cidade do Rio de Janeiro, em especial para as Olimpíadas de 2016, a comunidade da Vila Autódromo sofreu um violento processo de remoção, ficando reduzida a 30 famílias que resistiram às investidas do poder público. 

Guiada por moradores que resistiram à expulsão de suas casas na Vila, a visita começou na Igreja de São José Operário, epicentro das reuniões entre a comunidade, apoiadores e poder público. No Museu, moradores compartilharam com a turma uma visão íntima do conflito e de sua luta contra as remoções.

A ida a campo foi enriquecida ainda pela leitura do texto “Ontem, hoje e amanhã: a luta contra as remoções na Vila Autódromo e o Museu das Remoções”, publicado no Boletim IPPUR #73 pela professora Taísa Sanches e a moradora Sandra Maria Teixeira. A experiência in loco, complementar à leitura do texto, mostrou a resistência como um ato diário, tornando a história viva e palpável para os/as estudantes de GPDES.

Além de enriquecer o conhecimento sobre a resistência e as remoções, destaca-se o impacto significativo que a ida a campo pode ter na formação de gestores/as públicos. O contato direto com a realidade das comunidades afetadas pela atuação estatal é crucial para desenvolver uma compreensão mais profunda e empática. 

A memória como força transformadora

O percurso pelo Museu das Remoções, feito a céu aberto, conta com placas para marcar espaços de memória, onde os/as moradores contam aos/às visitantes as histórias que seriam apagadas com a remoção das famílias. Entre os destroços da antiga comunidade revelou-se não apenas a destruição física, mas também a perda de uma parte importante da história dessas famílias. 

“Memória não se remove” é o lema do Museu, que ecoa entre os destroços da antiga comunidade, lembrando da importância de preservar a história para resistir às adversidades.

A resistência da Vila Autódromo contou com o apoio de universidades, veículos de comunicação independentes, inclusive internacionais, mas mesmo assim não conseguiu romper a cortina de fumaça produzida pela cobertura das obras preparatórias para os Megaeventos no Rio de Janeiro.

Silenciamento e o lado invisível da história da Vila Autódromo 

A desapropriação da Vila Autódromo, que permanece ecoando na memória daqueles/as que resistiram, levanta questões sobre o papel do silenciamento dos povos na construção da narrativa. As casas padronizadas entregues pela prefeitura, visivelmente desconexas do tecido social da comunidade, destacam a falta de consideração pela identidade local.

Para a opinião pública, formada principalmente a partir dos relatos da grande mídia, todo o processo de remoção, que resultou na expulsão de centenas de famílias, foi visto como uma desapropriação legítima e justificável, o que evidencia a necessidade de uma cobertura midiática mais responsável.

A veiculação de informações imprecisas ou mesmo a distorção dos fatos sobre a remoção da Vila à época das olimpíadas na grande mídia contribuiu para que grande parte da população do Rio de Janeiro concordasse com a desapropriação. O Museu das Remoções surge então como um guardião da verdade histórica, desafiando o esquecimento e a distorção.

A Vila Autódromo como símbolo de resistência contínua 

Ao preservar não apenas objetos, mas também as histórias que esses objetos representam, o museu mantém viva a memória da Vila Autódromo. Sua função não é apenas documentar o passado, mas também educar as gerações presentes e futuras sobre a importância da justiça social e da resistência coletiva. 

A resistência não terminou com a desapropriação; ela continua a se manifestar nas ações cotidianas dos remanescentes. A resistência se tornou parte da identidade da comunidade, uma resposta enérgica a cada ação desfavorável da prefeitura. Mesmo diante das adversidades, os moradores erguem faixas, cartazes, barricadas e reivindicam seus direitos, tornando-se um símbolo de resistência e perseverança. 

A Vila não é um caso isolado; é um exemplo vivo dos desafios enfrentados por comunidades pobres e marginalizadas em todo o mundo.

Lições para a Gestão Pública 

A visita à Vila Autódromo destaca, para os estudantes de GPDES, as complexidades enfrentadas pelas comunidades diante dos processos de desapropriação e remoção. Para a gestão pública, esse caso serve como um lembrete da importância de considerar não apenas as necessidades imediatas, mas também o impacto a longo prazo de suas ações nas vidas das pessoas. 

A Vila Autódromo não deve ser esquecida. Sua história, marcada por lutas, resistência e perseverança, deve inspirar a sociedade a questionar, resistir e buscar por justiça. Enquanto a comunidade continua a lutar por seus direitos, a Vila Autódromo permanece viva, não apenas em sua localização geográfica, mas como um símbolo de resistência que oferece lições fundamentais para a gestão pública e a sociedade como um todo.