Sobre nossos tempos, em homenagem a Carlos Lessa

Boletim nº 24 – 04 de junho de 2020

 

Por Clarice Rocha e Lucas Dipp¹

 

Estamos presenciando pela primeira vez em consciência a mudança de uma geração.

Não apenas porque nos aproximamos dos 22 anos de idade e já vemos nascidos em 2010 com próprias opiniões, gostos e saberes. Mas principalmente porque as referências que construíram e orientaram o mundo em que nascemos, em toda sua complexidade, contradições e utopias, nos deixam sem que tenhamos ainda clareza dos valores e utopias que orientarão nosso futuro.

Vivemos a quarentena do Coronavírus, em que se intensificam as incertezas e os medos quanto ao devir, como se estivessem suspensos no ar, com o vírus, com a nossa desigualdade histórica, mas também com os nossos sonhos, por ora interditados.

Tentamos fingir normalidade, criar uma rotina, planejar o futuro, mas a realidade se impõe sem que qualquer expectativa faça sentido. Não sabemos quanto tempo esse período vai durar, de sentimentos tão intensos, tão à flor da pele. É impossível passar por tudo isso e continuar da mesma forma. Há de haver mudanças, mas o sentido da transformação ainda é incerto, está em disputa e não será transformado se forem mantidos os caminhos que nos trouxeram até aqui. Bem, há o que se tirar disso tudo. Mas em outra perspectiva, não nesta onde nos encontramos.

Os mestres e demiurgos de um projeto de país deixam cadeiras vazias. Uma nova geração se inicia, pois a página nunca esteve tão em branco para nós. Oportunidade única de se reconstruir a história. É o fim do pós guerra e o início do pós pandemia. Somos sempre o pós alguma coisa. Poucos momentos na história nos permitem testemunhar a fundação de algo. Em geral, somos o que somos pelo simples fato de ter que lidar com um mundo herdado.

E nós herdamos um mundo que se consumiu sem a certeza das bases que orientarão o novo mundo, se é que ele virá. Para além das Guerras Mundiais que se apresentaram em um continente, lidamos com ideologias impregnadas no planeta. Lidamos com a morte e a solidão, não a morte e a glória. Lidamos com a solidão solidária por proteção e defesa, não por esperança.

Lidamos com a morte omitida diariamente. A morte esquecida e ignorada. Entre tantos e tantos mortos pela negligência e violência, e tantos silêncios cobertos de pranto, certos nomes marcam as manchetes e a pele. O que nos choca, mas também nos inspira e nos clama a resistir. Em meio aos sentimentos de torpor e resistência, perdemos Carlos Lessa.

Lessa era um defensor do pensamento nacional desenvolvimentista e um apaixonado pelo Brasil, quando teve que deixá-lo. Mentes totalitárias destruíram (e destroem) as vidas e as mentes daqueles que lutam por mudanças nas estruturas desiguais da sociedade.

Uma de suas provocações mais marcantes era: como está a Alma Brasileira? Uma pergunta simples, mas nada fácil. A Alma Brasileira está cada vez mais solitária. Nosso povo se tornou um número, nosso estudo se tornou balbúrdia, e nossa luta se tornou terrorismo. O patriotismo hoje se confunde com outros “ismos”, o que faz da nossa resistência uma obrigação. Muitos dedicaram a vida para que tivéssemos espaços como esse, de debate, reflexão e desabafo.

Nas páginas a nós reservadas há de se marcar com tinta que não será derramado mais sangue. Que não há espaço para as velhas práticas e padrões. E a paz, não mais horizonte, é o caminho.

E é essa energia que os titãs nos entregam. Carlos Lessa nos deixou um legado de esperança. Para além dos textos e aulas, dos títulos e feitos, há coisas que não cabem em linhas. Há o legado em família e carinho que não conhecemos, o que virá com os carnavais e sorrisos, e com o recordar das falas e ideias. Todos os textos e debates que ajudou a criar, e os debates que estão por vir… Em nome do legado, do exemplo e da esperança, deixamos essa singela homenagem.

Nota de Pesar IPPUR/UFRJ.

¹Graduandos do Curso de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (IPPUR/UFRJ).